aniela Santarosa
"Quem guarda o que não presta, tem o que não precisa". O popular ditado não funciona com quem tem dificuldade de fazer algo que é corriqueiro para a maioria das pessoas: se livrar de objetos, roupas, papéis, revistas, jornais, discos, livros e outros pertences, mesmo que eles não tenham utilidade alguma, estejam fora de moda, estragados ou obsoletos. Os chamados acumuladores compulsivos já foram tema de um famoso documentário no canal Discovery Home&Health e impressionaram quem conheceu um dos casos mais severos de acumulação extrema (também chamada de hoarding, em inglês): em março de 1947, a polícia de Nova York foi chamada para investigar a descoberta de um cadáver em um edifício de três andares no Harlem. O lugar pertencia a dois irmãos idosos, Langley e Homer Collyer. Montanhas de lixo chegavam até o teto, incluindo 14 pianos, um automóvel Ford modelo T e até restos de um feto. Dentro de um sistema de túneis que usavam para andar entre os dejetos, jaziam os corpos sem vida dos idosos: um foi esmagado pelo lixo, e o outro morreu de inanição.
A história dos Collyer pode ser exagerada, mas ajuda a entender um problema psíquico que afeta cerca de 4% da população mundial e é caracterizado pela fobia de colocar qualquer coisa fora. A pessoa passa a ficar dependente do que adquire, a tal ponto de não se desfazer de nada.
— Este é um tema pouco explorado pelas pesquisas científicas, e ainda não há critérios claros para diagnosticar esta patologia — afirma o psicólogo Raymundo de Lima.
Porém, como identificar alguém que tem o distúrbio?
O "transtorno de colecionamento", como é denominado pelos psiquiatras, pode ser caracterizado por uma série de fatores. Especialistas afirmam que, antes de tudo, é importante distingui-lo do colecionismo normal, não patológico. O transtorno não deve ser diagnosticado se os itens são colecionados exclusivamente enquanto realizando um hobby (como coleção de selos ou outro tipo específico de colecionamento), se o comportamento não resultar em um ambiente doméstico bagunçado ou se não causar sofrimento ou comprometimento significativos.
— Em comum, há a negação do problema: dificilmente, os pacientes admitem que guardam coisas em excesso. O tratamento é de difícil solução, com uma resposta não muito acima dos 30% de cura — afirma o psiquiatra Ygor Ferrão.
Ferrão afirma, ainda, que há uma vergonha e constrangimento muito grande em quem acumula, o que limita muito a vida social. O transtorno pode, ou não, vir associado a outros sintomas do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) e à doenças como depressão, esquizofrenia e transtorno bipolar.
Por trás desta doença, habitam sentimentos como a ansiedade, o medo, o arrependimento e a frustração, entre vários motivos. A doença funciona como uma mórbida auto compensação de algo que aflige o doente.
— É uma doença que vai evoluindo com o tempo. A maioria não sabe especificar quando começou a ter o vício de acumular — diz Ferrão.
Apesar da maioria dos casos surgir nos idosos, esta desordem também pode afetar pessoas mais novas, em ambos os sexos.
Por dentro da doença
:: A acumulação compulsiva — também chamada de disposofobia — consiste na aquisição ou recolha ilimitada de bens ou objetos que já foram colocados no lixo. As pessoas que sofrem desta perturbação, maioritariamente idosos, acumulam tudo o que podem para mais tarde conseguirem dar uma resposta eficaz a uma "eventual emergência". Além disso, são incapazes de descartar objetos ou bens mesmo quando eles são inúteis, perigosos ou insalubres.
:: A acumulação compulsiva também é conhecida como Síndrome de Miséria Senil ou Síndrome de Diógenes, devido ao filósofo grego, Diógenes de Sinope — que vivia como um mendigo, dormia num barril e recolhia da rua inúmeros objetos sem valor.
:: O acumulador compulsivo no seu extremo é por vezes apelidado de "colecionador de lixo", uma vez que reúne objetos que produzem maus cheiros, atraindo insetos e roedores. Essa pessoa também poderá juntar livros, revistas, ferramentas, recipientes, metais, móveis, eletrodomésticos, entre outros materiais, correspondendo à imagem dos sem-abrigo que juntam todo o tipo de velharias.
:: A acumulação pode ser um dos sintomas de uma doença mental, um transtorno de ansiedade que muitos especialistas afirmam ser um transtorno obsessivo compulsivo (TOC). Trata-se de uma perturbação que é definida por três características principais: a coleção obsessiva de bens ou objetos que parecem inúteis para a maioria das pessoas, a incapacidade de se livrar de qualquer um dos objetos ou bens recolhidos e um estado de aflição ou de perigo permanente. Alguns estudos demonstraram que a acumulação compulsiva é vista em apenas 24% dos pacientes com TOC, embora durante muito tempo fosse considerado típico deste transtorno.
:: Tal como a maior parte dos comportamentos obsessivos, a acumulação compulsiva começa de uma maneira lenta e desenvolve-se de uma forma progressiva. A doença pode ser um indicador de um enorme sentido de responsabilidade ou medo de errar, pois é uma forma das pessoas se auto pressionarem para fazerem tudo bem feito.